As tendências 2024 vão acabar com a
identidade da casa brasileira?
Hoje eu vou falar sobre o movimento que estamos vivendo em busca da casa com cara de casa. Já faz uns 4 ou 5 anos
que eu percebo que as decorações das casas americanas estão caindo no gosto das pessoas aqui do Brasil. Eu comecei
vendo esse movimento através dos meus clientes, de forma pontual, e recentemente percebi isso aparecendo com
mais frequência nas internet, através das redes sociais.
Nos anos 90 a gente tinha uma decoração colorida, um mobiliário com detalhes e muitos adornos. Pouco a pouco
fomos substituindo isso por cores neutras, moveis de linhas retas e poucos ou nenhum adorno. E depois do auge
da decoração minimalista, agora a gente vê a tendência do retorno dessa decoração, que a gente chama de casa
com cara de casa. Claro né, a gente chama assim porque é esse tipo de decoração que está na nossa memória afetiva,
é a decoração da casa que a gente tinha lá na infância.
E esses movimentos são normais. A gente tinha aquela decoração colorida, ornamentada, mas a vida das pessoas mudou.
As mulheres começaram a trabalhar mais fora de casa e todos passaram a ficar menos tempo em casa. Surgiu então a
necessidade de uma casa mais prática, com menos coisas para limpar, aquela casa que tem só o essencial. Nós passamos
a achar esse visual limpo, clean, bonito porque também já estávamos cansados daquela estética cheia de informação e
que dava trabalho para manter. Aí os anos se passaram, praticamente todas as casas ficaram com essa estética mais “vazia”
e o que aconteceu? Veio a pandemia! As pessoas voltaram a passar mais tempo em casa e muitos até mudaram
completamente o modo de morar e de trabalhar mesmo depois que a pandemia passou. Ficando mais tempo em casa e
estando privados do convívio social, nós começamos a sentir falta do aconchego daqueles itens que a nossa memória
afetiva traz como sinônimo de afeto, de alegria e de segurança.
Percebe como funcionam as tendências? Conforme o contexto em que a gente vive vai mudando novos comportamentos
vão surgindo e cada vez mais pessoas vão aderindo, até que essa novidade vira algo normal e uma nova tendência começa a surgir.
E mesmo que a casa com cara de casa seja algo que a gente já teve, é natural que ela volte repaginada. Porque nós não
somos mais os mesmos, nesse meio tempo surgiram novos conhecimentos, novas tecnologias, novas formas de morar
e isso se reflete na decoração que a gente faz hoje. Só que quase sempre que eu vejo algum perfil de arquitetura ou de
design de interiores aqui do Brasil falando sobre essa decoração nas redes sociais, as imagens que eles mostram são de
decorações mais comuns na América do Norte, especificamente nos Estados Unidos e no Canadá.
E por que isso acontece? Porque que esse movimento se inspira em uma casa americana e não na casa colonial Brasileira
que foi a precursora das nossas casas da infância?Eu acredito que isso tem muito a ver com a globalização e com o acesso a
informação que nós temos. Hoje a gente consegue acompanhar e ver como as pessoas vivem em qualquer lugar do mundo
mesmo sem sair de casa. Além disso, a nossa geração teve uma infância e adolescência muito marcada por filmes, seriado
e programas americanos e isso fez com que a estética desses lugares se tornasse algo bom, ficando presente na nossa memória afetiva.
Inserir a memória afetiva na decoração é algo bom, mas é importante lembrarmos que a casa brasileira contemporânea é
muito bonita, inclusive ela é reconhecida como uma boa arquitetura e está conectada com a nossa cultura. Por isso eu acho
que quem quer essa decoração de casa com cara de casa não deve deixar isso para trás. Eu acredito que a gente tem que tirar
partido de todas as coisas boas que a gente tem na casa brasileira contemporânea e personalizar isso com a nossa memória afetiva,
e não substituir uma coisa pela outra. Caso contrário a gente corre o risco de ficar sem identidade e querer voltar para casa de novo.